Atendendo a uma solicitação do nosso blog, o advogado e presidente da OAB/Mossoró, Humberto Fernandes (especialista em Direito Constitucional), rebateu as informações divulgadas em um nota elaborada pelo senhor, Alexandre Aquino de Oliveira, a respeito de uma Ação Civil de Improbidade Administrativa por Dano ao Erário e que foi impetrada pelo Ministério Público Estadual contra a prefeitura de Pau dos Ferros.
Veja abaixo o que pensa o Presidente da OAB/Mossoró, Humberto Fernandes, sobre as alegações feitas pelo Chefe de Gabinete da prefeitura local:
Malgrado o Secretário busque explicar as duas ações em trâmite, contra o Prefeito Municipal de Pau dos Ferros, como sendo demandas idênticas e equívoco do Ministério Público, inclusive recorrendo ao instituto da "litispendência", o subscritor atabalhoa-se em suas argumentações jurídicas, fazendo uma verdadeira confusão entre a Ação Popular e a Ação Civil Pública. Explica-se:
· Ação Popular, prevista no artigo 5º, inciso LXXIII, da Constituição Federal de 1988, garante a "qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência".
· Tem suas regras processuais previstas na Lei nº 4.717/1965.
· Como o próprio enunciado afirma, é um instrumento democrático que assegura a qualquer do povo a participação no exercício do poder político da nação, quando houver agressão aos princípios da Administração Pública, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural.
· Busca, ao fim e ao cabo, o ressarcimento do dano causado ao erário público e, em caso de ficar comprovado a ocorrência de crime ou de improbidade, encaminhar cópia dos autos, ao final, ao Ministério Público para as devidas investigações.
· A Ação Civil Pública tem conteúdo mais elástico do que a Ação Popular, muito embora restrita a apenas algumas instituições que dela poderá fazer uso.
· O artigo 129, incisos II e III da Constituição Federal garante o Ministério Público como um dos titulares da Ação Civil Pública, ao lado da Defensoria Pública; da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios; das autarquias, empresas públicas, fundações e sociedades de economia mista; do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (Lei 8.906/94, art. 54, inciso XIV); e das associações que, concomitantemente, estejam constituídas há pelo menos 1 (um) ano nos termos da lei civil, segundo o artigo 5º, da Lei 7.347/85.
· Na Ação Civil Pública, apura-se a improbidade do gestor público, com a aplicação das respectivas sanções legais, além do ressarcimento ao erário público.
· Paralelo a Ação Civil Pública, em regra, tramita uma Ação Penal para a apuração de possíveis crimes contra a Administração Pública e respectiva aplicação da sanção penal.
De modo que, não há litispendência alguma entre as ações, ao tempo em que uma ação não anula ou prejudica a outra, antes alinham-se e reforçam a investigação das irregularidades (civis, criminais, políticas e administrativas) praticadas por quem gerencia a coisa pública.
Se houver julgamento procedente da Ação Popular, o Juiz tornará nulo o ato lesivo ao patrimônio público, ao tempo em que condenará o Prefeito de Pau dos Ferros a ressarcir o erário pelos danos apurados. Também encaminhará ao Ministério Público cópia do processo, a fim de que este órgão instaure uma Ação Civil Pública, com o objetivo de averiguar a improbidade administrativa do Chefe do Executivo local e uma Denúncia Crime contra o mesmo, para investigar se sua conduta encontra-se tipificada em um dos crimes contra a Administração Pública.
Essa última parte, especialmente, a averiguação de improbidade administrativa, com a aplicação de sanção de perda do mandato e inelegibilidade por oito anos, é o objeto específico da Ação Civil Pública do Ministério Público, muito embora também busque a nulidade das contratações sem licitação e o ressarcimento dos danos aos cofres públicos. Veja que são objetos distintos, muito embora, ao fim, complementem-se.
Demais, poderá ainda ser ajuizada uma outra ação, de natureza penal, através de uma denúncia crime contra o Prefeito Municipal. Todavia, por força do artigo 29, inciso X, da Constituição Federal, mencionada ação só poderá ser apresentada pelo Procurador Geral de Justiça, perante o Tribunal de Justiça do Estado do RN, em razão do foro privilegiado do Prefeito.
Assim, o processo 0000115-39.2012.8.20.0108 ajuizado pelo Ministério Público NÃO É SEMELHANTE ao processo 0002276-66.2005.8.20.0108 ajuizado pelo Dr. Nelson Benício Maia Filho, mas ações distintas, com objetos em parte idênticos (ressarcimento ao erário) e em parte diferentes (improbidade, perda do cargo e inelegibilidade por oito anos).
Esperamos ter satisfeito o pleito do nobre e combativo jornalista e, especialmente, as dúvidas dos leitores sobre essa celeuma gerada pela equivocada explicação, vista sob o prisma jurídico, do Secretário Chefe de Gabinete do Município de Pau dos Ferros/RN.
Colocando-nos a disposição para outros debates, tão salutar e indispensável à democracia, à liberdade de expressão e às instituições republicanas, lembramos que o povo é o único titular e destinatário do poder político. Então que fiscalizem e cobrem de seus mandatários o compromisso com a Constituição Federal, com a Lei, com a Ética e com os valores supremos de nossa sociedade (justa, igualitária e fraterna).
Humberto Fernandes
Advogado OAB/RN 4237